segunda-feira, 6 de abril de 2009

EDINHO UM PASSASISTA QUE DEIXARÁ SAUDADES


saudades de teu talento discreto e forte.


Há vinte minutos atrás li na comunidade da Beijaflor a notícia do falecimento do Edinho, coordenador da ala dos passistas mirins. E como sempre desacreditei no que li. Mas como as mensagens continuavam a chegar acabei por me convencer.

O que me provoca angustia é saber que não tivemos tempo de nos despedir. Vivemos num mundo tão cheio de compromissos profissionais que na maioria das vezes descuidamos do essencial: saborear a presença de quem esta por perto. E o Edinho era um sujeito especial.

Nos conhecemos durante a feitura do carnaval de 1998. Edinho vinha da ala dos passistas e Laíla vendo nele a capacidade de ensinar o nomeou coordenador da ala dos passistas mirins.

Lembro da sua preocupação em organizar planilhas, listas de presença e, sobretudo motivar a participação das crianças nos ensaios. Seu trabalho era discreto.Edinho era um daqueles artistas que jamais perdem a timidez e demonstram o seu talento através dos seus discípulos.

Tive prova disto durante a preparação da festa de lançamento do enredo de 98. Ele me pediu para ensaiar seu quadro separado. As crianças entrariam sambando no ultimo ato. A principio achei aquilo estranho, mas o Laíla foi enfático: “Deixa o Edinho trabalhar do jeito dele, nossa função é avaliar o resultado. Não sofre antes do tempo.”.

E assim foi durante todo o mês de preparação. Nos ensaiávamos as terças e quintas na quadra nova e o Edinho no C.A.C. Um belo dia o Laíla me chamou para irmos ver o que o Edinho tinha organizado.

E lá estávamos crianças sambando de maneira leve. Não era uma coreografia, mas um quadro de samba onde cada uma tinha sua personalidade, seu gingado, sua forma de expressão muito própria.

Laíla olhou pra mim e disse: Viu mane, o sambista quando é bom só precisa de liberdade.

Edinho sorriu agradecendo.

E em seguida fomos à quadra onde Laíla encontrou com o Cid Carvalho e pediu que as roupas das crianças fossem de malandrinhos e passistas antigas.

No grande dia da apresentação, quando Josileide – filha da Pajé Zeneída Lima - entrou no palco cantando “Sou Beijaflor tu és minha rosa, hei de amar-te até morrer” acompanhada pelos passistas mirins, a quadra veio abaixo. Provando que a junção das energias é capaz de tansformar tudo em espetáculo.

Edinho nos deixou prematuramente, mas seu mágico trabalho há de perdurar por toda a história do Beijaflor, pois a energia que distribuiu aos seus passistas mirins será transmitida a outros e depois a outros num seqüencial que o manterá vivo, mesmo que um dia seu nome seja apenas uma lembrança.

Edinho, obrigado por me ensinar a confiar no talento dos outros.

Que os pretos velhos te acolham no reino da paz.

sábado, 4 de abril de 2009

SAUDADES...CLARA...SAUDADES...


Clara era tão brasileira quanto a Umbanda.



Há 26 anos atrás, numa ensolarada manhã sábado de aleluia ouvi pelo rádio a notícia da morte de Clara Nunes. Foi uma noticia rápida como devem ser os anúncios de morte:

“Faleceu nesta madrugada na Clínica São Vicente a Cantora Clara Nunes, 39 anos, vítima de um choque anafilático que a manteve me coma por 28 dias.”

Logo em seguida Clara entrou cantando “O mar serenou.”. E o dia terminou nublado como se as forças da natureza estivem de luto.

Clara Nunes é uma das cantoras que construíram o imaginário de quem tem mais de 35anos.

Digo isto por que não vejo absolutamente nenhuma personalidade nas cantoras populares de hoje. Sei que pode parecer papo de tio, coisa de velho, frustração de crítico, mas por mais que eu tente não consigo ver diferença entre os estilos, e o que é mais absurdo: não consigo diferenciar as vozes.

E se você consegue diferenciar Ivete Sangalo de Cláudia Leite, certamente possuiu um ouvido de Mozart.

Sei que vão dizer que os tempos são outros e cabe a cada um adaptar-se a realidade, mas sejamos sinceros, a variedade antes era muito mais variada – pra usar uma expressão do Amarildo de Mello.

Clara Nunes possuía não só voz privilegiada – ouçam o CD “Profissão Esperança”- mas um estilo único. Sua imagem é brasileira. Não a brasileira meio lesbian chic que a Ana Carolina quer vender, mas a brasileira mulher, sedutora, mulher que nunca estava satisfeita com o corte de cabelo. Quantas Claras existiam? Quantos cortes de cabelos fossem possivéis, isto sem esquecer a indumentária.

Clara era macumbeira. E fez do seu corpo o templo de sua fé. As pulseiras, os cortes dos vestidos, as saias longas, os torços, tudo possuía um simbolismo religioso que nos deixava encantado.

Acredito que este é o problema da nossa música popular: se tornou classe média, suburbana. Perdeu o seu toque pitoresco, a sua pobreza sublime. Nossas cantoras são displays para propaganda de shampoos e condicionadores de cabelo. Detalhe Clara foi uma das primeiras a usar o permanente (sucesso no início dos anos 80) e não existe propaganda onde ela incite as suas fãs a comprar tal permanente...

Eu penso como será daqui a 20 anos. Quais serão as lembranças que teremos de uma destas grandes cantoras do Brasil atual? Desculpe se sou rude, mas só poderão ser lembradas pelo lucro que deram as gravadoras.

Pra não dizer que sou amante do passado, vejo o brilho de grandes estrelas, ainda que escondidas do grande publico, como é o caso da cantora Rita Ribeiro. Saravá! Saravá! Saravá! A umbanda se renova na voz desta pequena notável maranhense e o Brasil ainda tem esperança.

Saudades...Clara...Saudades...

terça-feira, 31 de março de 2009

UM POUCO MAIS DE RATOS E URUBUS...


Liberdade Liberdade fica com o troféu Imprensa, e Ratos e Urubus entra para história como um campeão de audiência.


Meu último artigo recebeu algumas críticas... Sem problemas...

É o destino de quem escreve o que pensa, não é verdade? Mas para não ficar o dito pelo não dito, apresento aqui algumas considerações:

A principal crítica é em relação a coreografia.

Segundo alguns ela teria sido criada no Salgueiro. De fato a primeira ala corografada foi sim apresentada no Salgueiro em 1963. Foi o inesquecível minueto do enredo Chica da Silva, de Arlindo Rodrigues. Porém meu texto argumenta sobre a coreografia em toda a escola, e o desfile que apresentou este elemento pela primeira vez foi “A Criação do mundo na Tradição Nagô” em 1978.

Há também quem não concorde com a afirmação de que Ratos e Urubus foi um divisor de águas na maneira de se fazer carnaval, e defende a idéia de que Kizomba , Vila Izabel, 1988, foi muito mais impactante.

Não estou falando a respeito de impacto, mas de uma visão mais transversal do desfile.

Kizomba foi fabuloso, mas tinha sua criação baseada em moldes conservadores. Falava da cultura negra sem nenhuma novidade - escravidão, força, luta, festa, enfim totalmente Casa Grande Senzala. O grande mérito do enredo era citar a constituição como uma grande Kizomba das raças.

E se formos analisar friamente, João Trinta já havia dados passos muito mais ousados em relação a cultura negra cinco anos antes com “A Grande Constelação das Estrelas Negras”, onde fez uma relação espetacular entre Ganga Zumba e os negros de destaque no Brasil contemporâneo. Quem de nós não gritou “É gol...gol do grande rei Pele” ou não cantou animadamente o refrão “ Pinah, ê ê ê Pinah. A Cinderela Negra que o príncipe encantou no carnaval com seu esplendor.”

Kizomba marcou sim a força de uma comunidade, a garra de Martinho da Vila, a luta de uma escola por sua quadra...Impactante, mas nada inovador em termos de criação de enredo se compararmos ainda com “ Sou Negro do Egito a Liberdade”. Esta foi mais uma das sublimes loucuras de João Trinta, que buscou as origens dos negros brasileiros no Egito e fez um paralelo magistral entre os Orixás e as divindades Egípcias.

Ratos e urubus é um desfile sem comparações porque implodiu o luxo como critério de criação carnavalesca. Isto sem esquecer da concepção do enredo - “Eis a Beija-flor, tão linda...Derramando na avenida frutos de uma imaginação.”.

Um enredo que não tinha classificação por ser inovador. Partia do imaginário e em momento algum fazia alianças com a realidade, enfim João Trinta deu um passo a frente de Fernando Pinto.

Um enredo em que o imaginário era o tom, tudo passou a fazer parte da estória, e destaco a presença dos garis no final do desfile lavando a passarela. Aquele gesto comum aos desfiles ganhou um simbolismo fabuloso: era a água limpando, purificando a vida para que nos transformássemos em seres comuns: “Sou na vida um mendigo, na folia eu sou rei”.

Belerrímo, pra usar uma expressão do Amarildo de Mello.

Quanto a vitória da Imperatriz não argumento contra. Foi um desfile campeão e só.

Não ousou, não inovou, não impactou.

Levantou o publico?

Sim, o samba é um dos mais belos e, embora tenha um métrica questionável, levantou as arquibancadas.

Mas o Beija-flor , logo de cara, fez o publico presente testar as estruturas da passarela do samba, e quem estava diante da TV ficou mais atento do que noveleiro em dia de ultimo capítulo.

E como somos um povo que faz carnaval e assiste novela, Liberdade Liberdade fica com o troféu Imprensa, e Ratos e Urubus entra para história como um campeão de audiência.

segunda-feira, 30 de março de 2009

20 ANOS DE RATOS E URUBUS, LARGUEM MINHA FANTASIA.


ATÉ HOJE EMOCIONA...


O carnaval de 2009 marcou o vigésimo aniversário do emblemático desfile “Ratos e urubus, larguem minha fantasia” , ou simplesmente o ano dos mendigos, como a comunidade costuma chama-lo.

Permitam aqui que eu faça uma comparação carnavalesca: aquele desfile foi uma espécie de Woodstock misturado com o Círio de Nazaré envolvido pela mística dos terreiros de umbanda. Trocando em miúdos, um desfile que transcendeu ao conceito de desfile de escola de Samba.

Podemos enumerar uma série de grandes motivos que transformaram aquele desfile num frenesi sem precedentes, mas destaco aqui dois: a desconstrução do conceito de luxo e a harmonia.

Foi um desfile onde o Beija-flor de Nilópolis reinventou-se. E só uma escola muito segura de si pode ousar ao ponto de reescrever sua própria história. Fazendo uma comparação com a politica podemos dizer que o Beija-flor viveu naquele ano a experiencia de Getúlio Vargas, saiu da Avenida nos braços do povo.

É importante lembrar que o espetáculo não foi revolucionário apenas no aspecto estético: A Escola que se firmara entre as grandes como luxuosa entrava na avenida vestida de trapos. Havia naquele desfile também a revolução da pista: a reinvenção da harmonia.

Como e por que?

Em 1978 o Beija-flor cria a coreografia como um elemento a mais para os quesitos harmonia e evolução. E rapidamente a coreografia se transformou numa febre entre as escolas.

Os desfiles da década de oitenta foram marcados por uma série de coreografias. O que muitas vezes acabava por atrapalhar o desfile.

Outro elemento igualmente criado pela Beija-flor foi o visual. A beleza e grandiosidade das alegorias, embora criticadas no começo, acabaram por se transformar em patrão. O que inevitavelmente trouxe a super valorização do aspecto visual e deu aos carnavalescos o pleno desenvolvimento do desfile em detrimento ao trabalho em conjunto.

Este corte entre a criação do espetáculo e a direção de harmonia gerou uma série de problemas práticos na avenida. Resplendores que se enroscavam, fantasias pesadas demais, excesso de coreografias enfim os desfiles caminhavam para decadência.

A única escola que ainda mantinha-se fiel ao padrão antigo era a Estação Primeira de Mangueira, que aliás era o grande destaque daquela década até aquele amanhecer de fevereiro de 1989.

O Beija-flor foi triunfal. A escola entrou leve, cantando, as fantasias davam uma leitura clara do enredo, e o mais importante, não haviam coreografias, o que simplesmente tornou o Beija-flor originalíssimo na sua forma de desfilar.

O mais interessante foi ver que toda escola estava imbuída em transmitir a mágica do enredo. Até a diretoria vinha vestida de gari. Um espetáculo. Um desfile carnavalesco com C maiúsculo. Memorável...

E como tudo o que é muito bom geralmente não é compreendido, o Beija-flor ficou em segundo lugar...

Ah! Você quer que eu fale do Cristo Mendigo? Bem, isto é o tema do meu próximo artigo...rsrsrsrs

sábado, 28 de março de 2009

DISSECAÇÃO DO CARNAVALESCO

A COMUNIDADE FAZ O ESPETÁCULO

Acabo de receber um e-mail da cidade de Bragança Paulista. Um rapaz de 22 anos, a quem chamarei de Raphael, me pergunta como é que alguém vira carnavalesco. Gostei da pergunta: “Como faço pra virar carnavalesco?” E na ânsia própria dos que tem menos de trinta, ele me faz uma série de perguntas sobre escolas, cursos de desenho, desing, universidades que precisam ser frequentados e livros que precisam ser lidos.
Caro Raphael,
Primeiro seja feliz, não que isto seja fundamental para ser carnavalesco mas é fundamental para ser humano. Sem felicidade a gente pode até construir grandes coisas, mas nunca vai conseguir partilha-las, pois a infelicidade é a mãe do egoísmo.
Segundo, leia tudo o que puder, mas leia sempre fazendo relações com o cotidiano, afinal o conhecimento só tem valor se nos faz mais humanos, mais bem humorados, mais doces, embora não menos angustiados. Porém há uma pequena diferença entre os angustiados ignorantes e os que tem conhecimento: os primeiros só sentem, não enxergam utopias, nem conseguem criar situações para melhorar a existência.
E o terceiro e mais importante é viver intensamente. Quando falo nisto não estou me referindo a uma vida de Janes Joplin ou de Kurt Conbain...
Viver intensamente para um futuro carnavalesco é sentir carnavalescamente a vida. E como se faz isto? Apaixonando-se.
Mas não as paixões dos folhetins com um pôr do sol e Renato Russo cantando “The Ballad of the sad Young Men”, nem com os balões incendiados de Cazuza.
As emoções no carnaval são mais alegóricas, mais visuais. Falo de uma paixão direcionada pra comunidade. Um amor que se manisfesta na possibilidade de fazer os outros sonharem.
Por isto viva intensamente sua comunidade, conheça as pessoas, ouça as estórias, ria com as coisas que aparentemente são banais...Afinal são as aparentes banalidades o que nos fazem compreender os grandes mistérios do ser humano.
O carnavalesco nada mais é do que um radar a captar as emoções de sua comunidade. Seu papel é criar a partir do imaginário coletivo de sua gente.
E principalmente vença a mais nefasta das tentações: achar que você criou tudo.
Lembro aqui de uma estória que ouvi de Laíla nos tempos de Comissão de carnaval e que muito me ajudou na época em que desenvolvi carnavais em São Paulo.
Em 1978 o Beija-Flor de Nilópolis consagrou-se Tricampeão do carnaval carioca.
Foi um desbunde. A escola entrou ao amanhecer cantando “A Criação do Mundo na Tradição Nagô.”, plasticamente consagrou o padrão de desfile visual, porém o que pouca gente percebeu – aliás poucas pessoas são sensíveis ao óbvio – foi a harmonia da escola. 2500 componentes cantando e desenvolvendo uma coreografia baseada no samba enredo.
Quando se cantava “cinco galinhas d'Angola criou a terra” a escola inteira erguia a mão esquerda mostrando os cinco dedos... “Pombos brancos criou o ar...” Toda a comunidade fazia um gesto com as mãos que hoje virou o símbolo da campanha “eu sou da paz”... E assim pela primeira vez no carnaval uma escola entrou coreografada e o Beija-flor mostrou que seu luxo era sustentado por uma comunidade vibrante.
Mas como surgiu a tal coreografia? Algum coreógrafo famoso foi chamado? Uma bailarina consagrada desenvolveu o trabalho de coreográfico? Nem um nem outro. A coreografia nasceu a partir da dança de um bêbado que ficava perto do bar da antiga quadra. Toda vez que o samba era entoado o pinguço fazia a coreografia. No começo as pessoas imitavam por pura diversão e em pouco tempo foi ganhando espaço, Laíla percebendo que aquilo era interessante falou com João Trinta, mas este não deu muito ouvido, porém Laíla levou o projeto adiante e quando o Beija-flor entrou na avenida os “nego veio” que diziam que o Beija-flor não tinha chão ficaram boquiabertos ao verem a sincronia perfeita entre o canto e a dança. E assim os quesitos que mais fizeram a diferença no desfile daquele ano foram a harmonia e a evolução.
Contei esta estória pra te dizer que não existem formulas mágicas para um grande desfile, existem sim, observações mágicas. Sentir com a comunidade é o melhor meio de se confeccionar um grande desfile. Como diz meu grande amigo Victor Santos: “Uma fantasia é apenas um fantasia,um conjunto de materiais interessantes, que sem o componente apaixonado pela agremiação nada pode dizer.”
Encerro com um dos conselhos do Laíla sobre o ser carnavalesco: “O carnavalesco pode até criar o desfile, mas quem faz o espetáculo é a comunidade.”
Assim, Raphael de Bragança Paulista, apaixone-se pela sua comunidade, pois é ela quem fará de você um grande carnavalesco.

quinta-feira, 26 de março de 2009

O Dilema do Patrocínio.


Detalhe da capela sistina.


De repente o assunto virou gênero de primeira necessidade em alguns debates.
Todo ano é a mesma ladainha purista: tal escola vai fazer enredo patrocinado, estão acabando com o carnaval.
E eu pergunto: e daí? O que seria da arte se não fossem os patrocinadores?
Perdoem os escrupulosos neo românticos , mas a arte nasce nas sociedades equilibradas economicamente.
Quando há possibilidade de manter o ócio dos artistas é que a há avanço na quantidade e na qualidade da arte.
E pra quem duvida, basta lembrar do Renascentismo Italiano, aquele que possui figuras emblemáticas como Leonardo Da Vinci, Michaelângelo, Raphael e Bernini. Gênios que só se tornaram imortais porque existiam patrocinadores dispostos a transformar o vil metal em beleza.
O problema é que nós sambistas (e boa parte dos artistas) somos saudosistas... Cultivamos a feia mania de pintar o passado com cores ingênuas.
O que teria sido da capela Sistina se o Papa Julio III não tivesse patrocinado – através de guerras santas (leia-se saque aos muçulmanos e judeus) – o trabalho de Michaelângelo? Será que forra-la de naylon dublado e colocar umas volutas de acetato seria o ideal, afinal arte não tem preço?
Ora senhores, a arte tem preço, tem custo e fechar os olhos a isto é abstrai-la demais, é torna-la tão sublime ao ponto nos negar o direito de admira-la.
Vivemos uma era de entretenimento mecanizado, de internet, de cinema, de televisão , onde o patrocínio é um dos pilares de sustentação de qualquer uma destas artes.
O desfile carnavalesco é igualmente uma arte que depende da audiência (ou você gostaria de desfilar num sambodromo vazio sem a transmissão da Globo?)e por isto esta sujeito as crise de indiferença e até de hostilidade.
O desfile carnavalesco possui leis que independem de suas limitações gerenciais. Leis de Mercado.
Nós vendemos cultura ao povo. É ele quem compra a entrada, compra a fantasia, que assiste aos desfiles pela TV e precisa ser numeroso para sustentar todo o aparato.
O desafio é transformar em arte o desejo dos patrocinadores.
O carnavalesco, ou os membros de uma Comissão de Carnaval, não podem mais orientar-se pelo desejo de criar o que lhes vem a mente. O mundo mudou e o desafio é criar a beleza num mundo neoliberal.
A adaptação a realidade é o que faz o artista, ou será que nos esquecemos que Leonardo Da Vinci além de pintar a Monalisa criou vários artefatos de guerra. Neste sentido o artista possui muito de Santa Teresinha do Menino Jesus que costumava dizer: “Devo florescer onde Deus me plantar”
Agora se o carnavalesco deseja ser um artista de avant-garde que compre um sítio e monte uma atelier oferecendo suas obras à posteridade, afinal como já disse Nietzsche:
“Há homens que nascem póstumos.”
O problema é que alguns patrocinadores consideram os desfiles carnavalescos uma forma de subarte, porém se observarmos os desfiles com a devida atenção, veremos que uma escola de samba engloba todas as artes e ainda permite a comunicação direta com vários tipos de público. Afinal a busca pela beleza é universal.
Lembro aqui dos grandes carnavais das décadas de 70 e 80. Estes espetáculos foram patrocinados por mecenas como Aniz Abrão David, Luizinho Drumond e Castor de Andrade. Homens que protegiam o carnaval e não visavam a exploração dos desfiles como mercadoria, mas vivemos em outros tempos. O carnaval extrapola as esferas da arte para se tornar também produto.
No fundo o patrocínio só faz mostrar quem é um bom ou mau artista.
Pode-se dizer com certeza que a diferença entre um bom e um mau artista (os popularescos excluídos, evidentemente) é a capacidade de extrair a beleza das coisas. Foi sempre assim em todos os tempos, e agora não é diferente...possuímos bons e maus artistas...
E quem decide isto não é o patrocínio, mas o público...

quarta-feira, 25 de março de 2009

Carnavalizando a comunidade...


Laíla, o cara que reinventou o conceito de comunidade.

Por crer no desfile de escola de samba como um espetáculo comunitário decidi partilhar nesta tela de luz as experiencias e reflexões que despertaram em mim o conceito carnavalesco de comunidade.
Comunidade... Esta palavrinha tão em voga em nossos dias, e que de tanto ser usada, corre risco de se tornar banal como aconteceu com o natal, a solidariedade e o amor...
O grande perigo de uma palavra é tornar-se vazia de significado, e isto paradoxalmente acontece quando ela passa a ter múltiplos sentidos.
De repente comunidade virou a palavra da moda, do politicamente correto, das discussões acadêmicas, das construções ideológicas, enfim virou uma especie de abracadabra àqueles que desejam ser contemporâneos, mas que não estão nem aí pra realidade...
No mundo do samba, reflexo do mundo real, a palavra possui igualmente inúmeros significados.
Tem gente que conceitua comunidade como aquela turma de pobres que tem o “direito” de receber uma fantasia “de grátis” por possuir o “mérito” da pobreza.
Este conceito de comunidade nada mais é do que a carnavalização do bolsa família.
É o velho e destrutivo paternalismo que insiste em dizer que os pobres são bem aventurados e por este motivo merecem caridade.
Assim estes tais pobres não constroem nenhum outro vinculo com a agremiação se não uma relação de dependência que algum acadêmico católico resolveu chamar de amor.
Nossa como os pobres amam...
Mas assim como fazem nas Igrejas aparecendo só para receber as cestas de natal, nossa comunidade só aparece em janeiro para garantir que seu nome vai pra lista da ala da comunidade.
Outros tem um conceito um pouco mais exigente. Comunidade é aquele povo pobre que frequenta a quadra, pede emprego no barracão, faz os serviços mais humildes e por isto merece ganhar uma fantasia.
É o neoservilismo. Não exergo o outro como pessoa, mas como alguém inferior a quem ofereço a minha compaixão. Este conceito de comunidade é ainda mais cruel porque não permite que o outro – pessoa – tenha vontades ou iniciativas que não estejam diretamente submetidas a minhas. Sua individualidade é submissa a minha opinião e se ele discorda de mim está fora, é um pobre metido a besta.
A palavra comunidade também é usada quando há luta de forças no seio da agremiação. De repente a comunidade se torna uma versão tupiniquim e carnavalizada dos destruidores da Bastilha, mas na verdade são apenas os “malacos” servindo de massa de manobra para que alguém tome o poder...Depois das cabeças degoladas “os grandes baluartes da malandragem” voltam à condição de foliões esporádicos, felizes porque daquele momento em diante receberão fantasias de graça.
Diante destes três conceitos de comunidade lembro do trabalho realizado pelo Mestre Laíla na Beija-flor de Nilópolis.
Em 1997 Laíla, com o incentivo do Seo Anísio, iniciou uma verdadeira revolução no conceito de comunidade. Primeiro criou a comissão de carnaval, desmistificando a figura do carnavalesco.
Por generosidade do destino fiz parte da primeira composição da comissão e vi de perto a construção de uma comunidade carnavalesca.
Laíla não distribuiu fantasias pura e simplesmente. Nem criou departimentos de pequenos serviços na quadra. Nem o vi fazer discursos sobre a pobreza.
Laíla reinventou as relações entre os sambistas.
Primeiro criou os lideres da comunidade. Estes estariam a frente de grupos de cinquenta pessoas. Obrigações? Saber o nome e a história de cada um dos membros de seu grupo e incentivar a participação efetiva.
E assim o obvio provocou uma mudança fundamental.
A quadra transformou-se em um ponto de encontro e para que as relações se estreitassem Laíla ia criando situações de aproximação.
Todos os aniversariantes eram lembrados, namoros aconteceram, alguem arrumava um emprego para quem estava precisando, o enredo foi apresentado pela comunidade, enfim as pessoas estavam unidas pela Beija-Flor de Nilópolis.
Os líderes comunitários passaram a participar das reuniões dos chefes de alas, as senhoras passavam a frequentar as reuniões da ala das baianas, as mulheres mais bonitas se candidatavam a um local nas alegorias.
O mais importante porém e que Laíla fez com que as pessoas descobrissem seu potencial. Nada foi distribuído ou trocado...A comunidade foi conquistando o seu espaço.
O ápice desta conquista foi quando a comunidade votou na escolha do samba enredo.
Lembro como aqueles dias foram encantadores...
O resultado se viu na avenida. Desde então a Beija-flor recuperou o status de maior escola de samba e desta vez não foi apenas o luxo mas a comunidade...
Mas lembrei deste estória histórica só pra perguntar: Qual é o seu conceito de comunidade?