sábado, 28 de março de 2009

DISSECAÇÃO DO CARNAVALESCO

A COMUNIDADE FAZ O ESPETÁCULO

Acabo de receber um e-mail da cidade de Bragança Paulista. Um rapaz de 22 anos, a quem chamarei de Raphael, me pergunta como é que alguém vira carnavalesco. Gostei da pergunta: “Como faço pra virar carnavalesco?” E na ânsia própria dos que tem menos de trinta, ele me faz uma série de perguntas sobre escolas, cursos de desenho, desing, universidades que precisam ser frequentados e livros que precisam ser lidos.
Caro Raphael,
Primeiro seja feliz, não que isto seja fundamental para ser carnavalesco mas é fundamental para ser humano. Sem felicidade a gente pode até construir grandes coisas, mas nunca vai conseguir partilha-las, pois a infelicidade é a mãe do egoísmo.
Segundo, leia tudo o que puder, mas leia sempre fazendo relações com o cotidiano, afinal o conhecimento só tem valor se nos faz mais humanos, mais bem humorados, mais doces, embora não menos angustiados. Porém há uma pequena diferença entre os angustiados ignorantes e os que tem conhecimento: os primeiros só sentem, não enxergam utopias, nem conseguem criar situações para melhorar a existência.
E o terceiro e mais importante é viver intensamente. Quando falo nisto não estou me referindo a uma vida de Janes Joplin ou de Kurt Conbain...
Viver intensamente para um futuro carnavalesco é sentir carnavalescamente a vida. E como se faz isto? Apaixonando-se.
Mas não as paixões dos folhetins com um pôr do sol e Renato Russo cantando “The Ballad of the sad Young Men”, nem com os balões incendiados de Cazuza.
As emoções no carnaval são mais alegóricas, mais visuais. Falo de uma paixão direcionada pra comunidade. Um amor que se manisfesta na possibilidade de fazer os outros sonharem.
Por isto viva intensamente sua comunidade, conheça as pessoas, ouça as estórias, ria com as coisas que aparentemente são banais...Afinal são as aparentes banalidades o que nos fazem compreender os grandes mistérios do ser humano.
O carnavalesco nada mais é do que um radar a captar as emoções de sua comunidade. Seu papel é criar a partir do imaginário coletivo de sua gente.
E principalmente vença a mais nefasta das tentações: achar que você criou tudo.
Lembro aqui de uma estória que ouvi de Laíla nos tempos de Comissão de carnaval e que muito me ajudou na época em que desenvolvi carnavais em São Paulo.
Em 1978 o Beija-Flor de Nilópolis consagrou-se Tricampeão do carnaval carioca.
Foi um desbunde. A escola entrou ao amanhecer cantando “A Criação do Mundo na Tradição Nagô.”, plasticamente consagrou o padrão de desfile visual, porém o que pouca gente percebeu – aliás poucas pessoas são sensíveis ao óbvio – foi a harmonia da escola. 2500 componentes cantando e desenvolvendo uma coreografia baseada no samba enredo.
Quando se cantava “cinco galinhas d'Angola criou a terra” a escola inteira erguia a mão esquerda mostrando os cinco dedos... “Pombos brancos criou o ar...” Toda a comunidade fazia um gesto com as mãos que hoje virou o símbolo da campanha “eu sou da paz”... E assim pela primeira vez no carnaval uma escola entrou coreografada e o Beija-flor mostrou que seu luxo era sustentado por uma comunidade vibrante.
Mas como surgiu a tal coreografia? Algum coreógrafo famoso foi chamado? Uma bailarina consagrada desenvolveu o trabalho de coreográfico? Nem um nem outro. A coreografia nasceu a partir da dança de um bêbado que ficava perto do bar da antiga quadra. Toda vez que o samba era entoado o pinguço fazia a coreografia. No começo as pessoas imitavam por pura diversão e em pouco tempo foi ganhando espaço, Laíla percebendo que aquilo era interessante falou com João Trinta, mas este não deu muito ouvido, porém Laíla levou o projeto adiante e quando o Beija-flor entrou na avenida os “nego veio” que diziam que o Beija-flor não tinha chão ficaram boquiabertos ao verem a sincronia perfeita entre o canto e a dança. E assim os quesitos que mais fizeram a diferença no desfile daquele ano foram a harmonia e a evolução.
Contei esta estória pra te dizer que não existem formulas mágicas para um grande desfile, existem sim, observações mágicas. Sentir com a comunidade é o melhor meio de se confeccionar um grande desfile. Como diz meu grande amigo Victor Santos: “Uma fantasia é apenas um fantasia,um conjunto de materiais interessantes, que sem o componente apaixonado pela agremiação nada pode dizer.”
Encerro com um dos conselhos do Laíla sobre o ser carnavalesco: “O carnavalesco pode até criar o desfile, mas quem faz o espetáculo é a comunidade.”
Assim, Raphael de Bragança Paulista, apaixone-se pela sua comunidade, pois é ela quem fará de você um grande carnavalesco.

Um comentário:

  1. Linda essa história sobre o bêbado, mais uma vez eu acredito que Laíla era o grande responsável pelo sucesso de J30.

    ResponderExcluir